Se existe um técnico na Europa que adora aceitar um desafio que poucos em sua situação teriam a coragem de topar, esse seria Didier Deschamps. Em pouco mais de dez anos na função, o francês trabalhou em três equipes turbulentas e de grande exigência pública, agora poderá ter uma visibilidade maior ao treinar a Seleção Francesa, que pelo terceiro torneio seguido, decepcionou e aumentou sua lista de brigas internas.
A carreira de Deschamps como técnico iniciou-se em 2001. Ele assumiu o Monaco, recém campeão francês e pegaria um time em reconstrução. Claude Puel, comandante no título de 2000/01, deixou o clube após a conquista nacional. As principais referências do time na época tomaram mesmo rumo: Fabien Barthez se transferiu para o Manchester United, Willy Sagnol partiu para o Bayern, Sabri Lamouchi foi para o Parma, enquanto o artilheiro da equipe, David Trezeguet foi escrever sua brilhante história na Juventus.
As primeiras temporadas da “era Deschamps” não foram boas e o Monaco se limitou a manter-se na primeira divisão francesa. Em 2003, a evolução foi gigantesca e o time, 15º colocado na edição anterior do Campeonato Francês, foi vice-campeão nacional. Naquele momento, o time que mesclava os jovens Évra, Adebayor e Plašil com os experientes Giuly e Pršo começava a despontar.
O ápice desta geração e de Deschamps no Monaco foi na temporada 2003/04, onde chegaram a uma inesperada final de UEFA Champions League. Após passar por equipes poderosas, como Real Madrid e Chelsea, o time monegasco parou diante do Porto de Deco e Carlos Alberto.
No Campeonato Francês, Deschamps obteve resultados satisfatórios desde então, terminando duas vezes em 3º lugar. Em 2005/06, o Monaco largou mal na temporada e o comandante ‘pagou o pato’, sendo demitido antes da metade do primeiro turno da liga. Deschamps deixou a charmosa cidade do Principado com o título da Copa da Liga de 2003.
No ano seguinte, o francês topou mais um grande desafio: tirar a rebaixada Juventus da Série B. Assim como quando assumiu o Monaco, Deschamps contou com uma debandada dos principais jogadores. Ainda assim, possuía em seu elenco nomes como Del Piero, Trezeguet e Buffon que, por amor, ficaram na Juve. A equipe de Turim conseguiu aliviar os nove pontos negativos que tinha antes do início do campeonato e subiu para a primeira divisão.
Muitos queriam sua permanência na Juventus, mas o relacionamento conturbado com o diretor Alessio Secco fez com que deixasse o clube. Ainda assim, Deschamps teve na Itália, seu melhor aproveitamento na carreira, com 66.7% de vitórias.
Em 2009, ele voltou à ativa! Didier Deschamps foi a aposta do novo presidente do Olympique de Marseille, Jean-Claude Dassier, para tirar o time da fila de mais de quinze anos. Para sair de lá foram dois toques: em 2010, o OM conquistou dois títulos seguidos – Copa da Liga e Campeonato Francês – e o torcedor pôde, após 17 anos, tirar o incômodo grito de “é campeão” da garganta.
Na temporada seguinte, o Marseille almejava sonhos maiores na Europa e acabou dando bobeira no campeonato nacional, onde deixou o troféu cair no colo do Lille. Na temporada mais recente, Deschamps, já dando sinais de desgaste com o diretor esportivo, José Anigo, acabou deixando o Marseille no meio da tabela, com uma campanha medíocre. Ainda assim, o time obteve um satisfatório rendimento continental, chegando às quartas-de-final da UEFA Champions League.
Após incessantes negociações, clube e treinador chegaram ao acordo de encerrar a relação.
Ao assumir a Seleção Francesa, Deschamps terá, de novo, um desafio e tanto, porém, nada comparado a reconstruir o Monaco, tirar a Juventus da segunda divisão ou recolocar o Marseille no caminho das vitórias. O problema francês é crônico. Os jogadores que atuam fora do país se sentem no direito de cobrar e questionar tudo e todos, enquanto os que jogam na França parecem estar acuados no ambiente hostil, sem ter uma alma protagonista.
A grande vantagem que Deschamps parece ter em relação os seus antecessores – Laurent Blanc e Raymond Domenech – estão em dois pontos:
– Deschamps é durão! O grande exemplo é Andre Pierre Gignac, que é um atacante de mediano pra bom, mas no Marseille foi muito papo pra pouca bola. O comandante sempre questionou esse autoritarismo do atleta e chegou a afastá-lo do elenco no final de 2011.
– Deschamps conhece alguns atletas de outros carnavais. Hatem Ben Arfa e Patrice Évra, dois dos ‘baderneiros’ mais recentes já trabalharam com o novo comandante Bleus e sabem o que podem ou não fazer e vice-versa também.
Acredito que este seja o único acréscimo que exista. Basicamente, o elenco será o mesmo que Blanc estava usando, assim como o esquema e talvez o estilo de jogo também permaneçam intactos. O presidente da FFF, Noël Le Graët, buscava alguém de mais pulso firme, que evitasse as confusões internas e acabou escolhendo o melhor nome. Entre as hipóteses levantadas, Deschamps levava ampla vantagem em relação Jean Tigana, Jean Fernandez, Paul Le Guen e até Francis Smerecki, treinador das seleções de base.
É um desafio novo para Deschamps. Antes, bastava reconstruir um elenco desfeito e tentar trilhar um caminho vitorioso, agora, o time parece estar armado, com alguns ajustes a serem feitos, mas com uma construção inteira para ser concluída de fora das quatro linhas.