Os tops da temporada francesa

Encerrada mais uma temporada do Campeonato Francês, é chegada àquela hora bacana de retrospectiva e análise de tudo o que aconteceu ao longo das 38 rodadas. Desta vez, me empolguei em levantar listas com os tops e os flops do ano.

Claro que houve uma predominância: entre os tops, o Monaco, que com uma impressionante campanha e um ataque avassalador, ocupou as principais opções. Já entre os flops, o Paris Saint-Germain, que mais uma vez gastou tufos de grana e apresentou um futebol muito pobre, se sobressaindo muito na base da individualidade.

Hoje trago quem se destacou e, ainda nesta semana, trarei quem decepcionou. Confira a primeira lista:

5 – Balotelli ressurge

Super Mario foi o artilheiro do Nice na Ligue 1 | Foto: Divulgação/OGC Nice

Quando o Nice anunciou a contratação do italiano Mario Balotelli, muitos torceram o nariz. Polêmico, de extracampo complicado, Super Mario vinha de temporada pífia pelo Milan, com míseros três gols em 23 jogos. Parecia ser uma aposta perdida. Mero engano.

O italiano encerrou a temporada com 15 gols em 1.746 minutos na Ligue 1 (um a cada 116.4 ou um jogo e 26 minutos). O detalhe dos tentos é a distribuição deles. Foram oito na primeira etapa e sete na segunda, sendo sete em ações de jogo, três de pênalti, três após cruzamentos e dois de falta. Foi o artilheiro do time e peça-chave da formação ao lado do excelente meio-campista Jean Seri.

Ah, e sobre a tão cobrada questão disciplinar – com razão – Balotelli recebeu seis cartões amarelos e dois vermelhos.

4 – Nice voltando à Liga dos Campeões

Favre recolocou o Nice em uma Liga dos Campeões | Foto: Divulgação/OGC Nice

Com Lucien Favre no comando, o Nice fez história e, finalmente, terá a honra de disputar a Liga dos Campeões – mesmo que seja a fase prévia. Foram apenas duas vezes na história que isso aconteceu e a última foi na temporada 1959/60, quando caiu nas quartas-de-final para o Real Madrid.

Apesar de tradicionalíssimo, o Nice não tem grande carreira europeia, especialmente em anos mais recentes. Neste século, por exemplo, disputou duas edições da extinta Taça Intertoto e, mais recentemente, participou da Liga Europa sem grande sucesso – na atual temporada, caiu na fase de grupos.

Boa parte dos méritos vão para Favre, que armou uma equipe extremamente competitiva, capaz de bater de frente com os poderosos PSG e Monaco – nos 12 pontos disputados contra os dois, somou sete. Parte disso é explicado pela eficiência ofensiva, registrada nos números: 4º melhor ataque da Ligue 1, com 63 gols marcados, mas com a marca de ser apenas o 12º time no ranking de chutes por jogo.

Pena que Favre não deve permanecer nas Águias para a próxima temporada – o Borussia Dortmund é o principal cotado para tê-lo como treinador.

3 – Quadrado mágico do Monaco

Falcao foi um dos pilares do poderoso ataque monegasco | Foto: Divulgação/AS Monaco

Disparado o ataque mais positivo da Ligue 1, com 107 gols marcados – 60 (!!!) há mais que na temporada passada – o Monaco deve parte desse sucesso ao mágico quadrado ofensivo, formado pelos habilidosos Thomas Lemar e Bernardo Silva e dos letais Kyllian Mbappé e Radamel Falcao.

Dos 107 gols, 53 saíram do quarteto, ou seja, impressionantes 49,5% dos tentos. Destaque, é claro, para o colombiano, que voltou a ter uma temporada relevante e marcou 21 gols, e para o prodígio Mbappé, autor de 15 tentos.

Interessante destacar também a distribuição das assistências de Silva e Lemar: das nove do português, quatro foram para Mbappé, enquanto três das dez do francês foram para Falcao. No jogo de duplas de Leonardo Jardim (dois meio-campistas, dois articuladores e dois homens de frente), foi a formação de um quarteto que transformou a avassaladora máquina de gols do Monaco.

2 – El Pistolero!

Cavani fez 35 gols em 36 jogos na Ligue 1 | Foto: Divulgação/PSG

Em 36 jogos, 35 gols. Nunca Cavani marcou tantos quanto nessa temporada, superando, inclusive, 2012/13, quando marcou 29 na Série A italiana, ainda com a camisa do Napoli. Foi o artilheiro da Ligue 1 com sobras.

O detalhe interessante da temporada de El Pistolero é a regularidade: 18 gols foram feitos no primeiro turno e 17 no segundo. Se dividirmos o jogo em três partes de 30 minutos, observaremos que 15 tentos do uruguaio saíram na faixa final (contra 12 entre 0-30; 8 entre 30-60), mostrando que foi decisivo – coisa a qual era cobrado em temporadas anteriores.

Em dez ocasiões fez ao menos dois gols, incluindo uma em que fez quatro, no 6 a 0 sobre o Caen. Além disso, dos 36 jogos em que atuou, só não marcou em 13. Em uma temporada bem decepcionante dos parisienses, Cavani foi o ponto fora da curva e o diferencial do time.

1 – O campeão!

Com méritos, a taça Ligue 1 ficou no Principado | Foto: Divulgação/AS Monaco

Enquanto todos esperavam o quinto título consecutivo do Paris Saint-Germain, surgiu o Monaco. Time de futebol envolvente, de dominação de espaço, mas, ao mesmo tempo, agressivo, os monegascos ergueram o troféu de campeão nacional após 17 anos.

A campanha foi irretocável, com maior número de vitórias (30), menor de derrotas (3), melhor ataque (107 gols) e melhor campanha como mandante e visitante. Somado a isso, o Monaco encerrou a Ligue 1 invicto a 20 jogos, com 12 vitórias seguidas e nenhum tropeço em 2017.

Interessante ressaltar ainda que, segundo o WhoScored, o Monaco foi o time que teve maior média de finalizações na temporada, mas foi apenas o quinto em posse de bola e sexto em porcentagem de passes certos. Ou seja, foi uma equipe de controle espacial e de intensa eficácia com a bola no pé.

Somado a isso, o time comandado por Leonardo Jardim apresentou ao mundo jovens talentos que quem acompanha o Francesão há algum tempo já conhece, como Benjamin Mendy, Tiemoué Bakayoko, Thomas Lemar, Fabinho, Bernardo Silva e, é claro, a estrela da companhia, Kyllian Mbappé. É, amigos, daqui algum tempo, teremos história para contar desse fantástico time.

O que acharam dos tops da Ligue 1? Faltou alguém? Exagerei em algum ponto? Dê seu pitaco! Ainda nesta semana trago os flops da temporada.

Edinson Cavani: besta ou bestial?

Os números de Edinson Cavani na temporada 2016/2017 são absurdamente assombrosos. São 29 gols em 29 partidas. Fatalmente, El Pistolero baterá o desempenho de 2014/2015 pelo Paris Saint-Germain, onde balançou as redes 31 vezes em 53 oportunidades. Tal estatística já o coloca como segundo maior goleador da história do clube, com 112 gols.

É possível reclamar de um atacante com números tão bons como os de Cavani? Dá para encontrar defeitos em quem vem marcando gols jogo sim, jogo com certeza? Pois então, existem críticos do uruguaio e com argumentos bastante convincentes.

Cavani é creditado como um jogador que participa pouco das ações durante a partida, tendo atuação mais efetiva apenas nas fases decisivas do gramado. Esse dado é ilustrado pelo Opta Jean, durante o primeiro tempo do empate por 1×1, diante do Monaco, pela 23ª rodada da Ligue 1. Enquanto Falcao García, atleta de mesma função, participou relativamente bastante da construção do jogo , o uruguaio apenas tocou na bola nas proximidades da grande área.

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Gráfico mostra a esquerda a participação de Cavani e, a direita, Falcao García, no 1º tempo de PSG 1×1 Monaco | Foto: Opta Jean

E esse dado não é isolado. Cavani, de fato, tem pouca participação em outras fases do jogo. Até o momento, ele deu apenas uma assistência durante toda a temporada. O detalhe é que esse passe para gol foi em uma partida da Liga dos Campeões, o que faz com que seja o único jogador das cinco grandes ligas com no mínimo 12 gols que ainda não tenha dado uma assistência – número do Opta Jean.

Já segundo o WhoScored, o uruguaio tem média de 0.5 passes chave por jogo, uma das mais baixas da equipe. Cavani também tem média baixa de dribles certos e também de passes concluídos – não chega a 13 passes por jogo.

Apesar dos gols, Cavani tenta superar a pouca efetividade em outras ações do jogo | Foto: Team Pics/PSG 

Apesar dos gols, Cavani tenta superar a pouca efetividade em outras ações do jogo | Foto: Team Pics/PSG

Enquanto isso, El Pistolero tem a maior média de finalizações certas da Ligue 1, com 3.6 por jogo, a mais alta ao lado do italiano Mario Balotelli, do Nice. É um dado que registra a capacidade de criar situações de gol, mas que, ao mesmo tempo, demonstra como é um jogador de participação “limitada” dentro do jogo.

Cavani também é fruto de uma equipe que não consegue render com Unai Emery. Por mais que seja o time com maior média de posse de bola entre os 20 do Campeonato Francês, o PSG vem apresentando dificuldades em diversas partidas, principalmente após a virada do ano. Um dos defeitos mais visíveis é a demora em marcar seus gols. Nas vitórias contra Lille e Dijon, por exemplo, o Paris marcou os tentos decisivos nos últimos 20 minutos de jogo.

Não bastasse a dificuldade em marcar gols nas últimas rodadas, a equipe da capital vem se notabilizando como “cruzador de bolas”. A média, segundo o Who Scored, é de 23 por jogo e isso é refletido no desempenho do próprio Cavani. De todos os 23 gols na Ligue 1, 11 partiram de cruzamentos.

 No raio-x dos gols, Cavani se destaca com muitos tentos de pé direito | Foto: Team Pics/PSG 


No raio-x dos gols, Cavani se destaca com muitos tentos de pé direito | Foto: Team Pics/PSG

Enquanto a bola estiver entrando, certamente isso não será encarado como um grande problema. Cavani está decidindo e é isso que importa para torcida do PSG. Unai Emery, entretanto, precisa pensar em uma nova maneira de explorar outros recursos do uruguaio. O Paris era acostumado a ter um tal de Zlatan Ibrahimovic, que possuía uma capacidade de criação de situações e abertura de espaços bastante interessante, sendo um articulador de jogo e finalizador em uma mesma jogada. O sueco nunca foi apenas um empurrador de bolas para as redes e sempre entregou um bom número de assistências ao time – 37 em quatro temporadas.

O futebol atual exige que haja essa participação em todas as fases da partida e Cavani peca nisso. Tem sido o “empurrador de bolas para as redes”, como citei no parágrafo acima. Claro, tem sido o goleador que muitos times querem – só na Ligue 1, fez mais gols que seis equipes – mas pode ser preciso um “algo mais” para que o PSG consiga dar o passo adiante em nível interacional. Esse impasse faz com que surja a dúvida: Cavani, besta ou bestial? 

Com Blanc, o PSG finalmente jogou futebol

O PSG perdeu apenas dois jogos na temporada

O PSG perdeu apenas dois jogos na temporada

No próximo dia 1, o técnico Laurent Blanc completará seis meses de trabalho no Paris Saint-Germain. Anunciado no dia 25 de junho, o campeão do mundo como jogador em 1998 iniciou sua caminhada na capital no primeiro dia de julho, e, mesmo em pouco tempo, já fez o PSG liderar o Campeonato Francês com sobras, se classificar para as oitavas-de-final da Liga dos Campeões e ainda apresentar algo que não foi visto com Carlo Ancelotti e muito menos com Antoine Kombouaré (técnicos do clube na era milionária): futebol.

Blanc já chegou balançando as estruturas e mexendo em quase tudo que fora planejado por Ancelotti, a começar pelo esquema tático. Enquanto o italiano utilizava o 4-4-2 britânico, com duas linhas de quatro rígidas e de pouca movimentação, o francês passou a adotar o 4-3-3 com meio-campistas bem participativos e atacantes livres para flutuar por toda intermediária.

PSG 12-13PSG 13-14

O novo treinador também tratou de retirar das catacumbas do Parque dos Príncipes jogadores como Thiago Motta e Gregory van der Wiel, que não estavam no gosto principal de Ancelotti. O retorno do volante ítalo-brasileiro era esperado (como dito aqui no blog), afinal, Blanc sempre foi inclinado a escalar volantes de maior poder de marcação na faixa central.

Mas Motta não tem sido aquele volantão a moda antiga, daqueles que só bate e toca de lado. O italiano se notabilizou por distribuir vários lançamentos longos, originando diversas jogadas de ataque. Além disso, Motta é um dos homens das bolas paradas do time de Blanc.

O que surpreendeu foi a inclusão de van der Wiel no time titular. Via redes sociais, muitos me questionavam sobre o motivo de ele ser banco do mediano Christophe Jallet, e sempre fui direto: “van der Wiel tem atrapalhado na defesa, onde é ‘avenida’, e não contribui no ataque. Jallet tem sido mais correto”. Nesta temporada, tudo mudou.

Com Blanc, van der Wiel foi de vital auxílio ofensivo no PSG, dando dois passes para gol no Campeonato Francês e quatro na Liga dos Campeões. Defensivamente também não tem atrapalhado. Os espaços que normalmente deixava foram corrigidos com menos afoiteza no ataque. No mano-a-mano defensivo, o holandês é quase impecável. No ataque, as assistências citadas acima registram bem isto. Enquanto isso, Jallet tem ficado fora até mesmo do banco de reservas em diversas partidas.

Dinamismo de Verratti

Verratti se tornou peça chave no PSG de Blanc

Verratti se tornou peça chave no PSG de Blanc

Quem também tratou de acordar pra vida foi Marco Verratti. Desconhecido quando contratado, mas muito bem recomendado por quem o viu jogar pelo Pescara, o italiano chegou trazendo a expectativa de ser o maestro do meio-campo parisiense. Na primeira temporada, nada disso aconteceu e Verratti se notabilizou pela violência: 11 cartões amarelos em 27 partidas no Campeonato Francês.

Mas o jovem de 21 anos se controlou com Blanc e recebeu cinco cartões no primeiro turno. Número ainda elevado, mas que não sobrepõe o bom futebol apresentado. Tendo maior liberdade e sem perder o compromisso com a marcação, o italiano trouxe dinâmica ao antes quadrado jogo do PSG. Toques rápidos, visão de jogo e qualidade na armação de jogadas do círculo central foram algumas das virtudes do atleta que deu quatro passes para gol no Campeonato Francês.

Não podemos deixar de citar Blaise Matuidi, o pulmão parisiense. É o ‘casamento’ de características dele com Motta e Verratti que faz o meio-campo do PSG ser o melhor da França.

Jovens progredindo

Com Ancelotti, os jovens não tinham vez. Ele até lançou Adrien Rabiot e Kingsley Coman, mas foi na emergência. O primeiro, inclusive, foi emprestado ao Toulouse e muitos diziam que nem voltaria ao clube pela dificuldade em encontrar espaço. Com Blanc tem sido diferente.

Rabiot se tornou uma das alternativas do treinador e já participou de 22 partidas, tendo balançado as redes uma vez. Outro jovem que ganhou espaço é Hervin Ongenda. Um dos mais jovens jogadores a marcar com a camisa parisiense (fez gol na Supercopa Francesa), o atacante de 18 anos já foi utilizado quatro vezes e deu um passe para gol.

No geral, Blanc aproveitou oito jogadores de nível Sub-23 em todas as competições que o Paris Saint-Germain participou.

Arma letal

Ibra e Cavani foram responsáveis por mais de 40 gols parisienses

Ibra e Cavani foram responsáveis por mais de 40 gols parisienses

Por fim, o grande trunfo de Laurent Blanc e grande responsável por fazer o time parisiense apresentar um futebol bom se ver foi o entendimento da dupla Zlatan Ibrahimović e Edinson Cavani.

Para muitos (me incluo nessa), os dois só seriam encaixados no 4-4-2, mas Blanc conseguiu explorar Cavani no lado direito do 4-3-3, coisa que já fazia na seleção uruguaia, e sem medo de barrar Lucas. Essa mexida deu certo porque o trio completado por Ezequiel Lavezzi não é nada estático.

Ibrahimović está mais para um meia-armador do que centroavante, algo que sugere o esquema tático no papel. É normal ver o sueco trabalhar com a bola próximo da risca central, criando jogadas e agindo como um legítimo armador. E essa movimentação possibilita a Cavani a ocupação da grande área, coisa que Lavezzi, por exemplo, não seria capaz de fazer.

Para exemplificar esta movimentação, separei o primeiro gol da vitória por 2-1 sobre o Nantes, ainda na 3ª rodada. Observe o local do campo em que Ibrahimović recebe a bola e também a movimentação de Cavani, sempre buscando o espaço vazio na grande área.

Os números da dupla também assustam. Juntos, Ibrahimović e Cavani somam 41 gols em todas as competições. Além disso, Ibrahimović já deu seis passes para gols, todos no Campeonato Francês.

O que impressiona mais ainda é que será uma tremenda mentira se você falar que “o Paris Saint-Germain é só Ibrahimović e Cavani”. É óbvio que o time perde muita força sem os dois, mas o PSG não é só isso. É Verratti, é Motta, é Maxwell, é Sirigu, é Matuidi… É um time muito forte e que não sobrevive à custa de uma dupla fora de série.

Com Laurent Blanc, os torcedores parisienses puderam ver algo que há tempos não viam: futebol. Bola no chão, toques rápidos, paciência, verticalidade e dinamismo. Esse é o PSG de Blanc, esse é o time do técnico que muitos diziam ser tampão. Esse é o time que tem banca para chegar ao topo da Europa.