Trocar de casa deve ser uma atividade meio estressante. Eu, particularmente, moro na mesma casa desde que nasci, mas conheço uma dezena de pessoas que tiveram de se mudar e passaram maus bocados até se adaptarem completamente. Uma hora é um hábito que não pode ser repetido, em outra é o vizinho que é mais chato que os anteriores. Enfim, quando não é uma coisa, é outra. No futebol, há um caso assim.
O tradicional Nice, quatro vezes campeão francês, jogou de 1927 a 2013 no simpático Stade du Ray e atualmente manda suas partidas na moderna Allianz Riviera. O time rubro-negro deixou um estádio antigo e que poderia receber pouco mais de 18 mil pessoas para uma atrativa arena, capaz de receber 35 mil pessoas e que ainda será palco da Eurocopa de 2016. Em outras palavras, o clube trocou um casebre por uma super casa, com tudo que você pode imaginar.
Que coisa boa, não?! Pro Nice, não foi tão bom assim.
Na última temporada em que jogou no Stade du Ray, o time do sudeste da França teve o melhor desempenho do século, terminando na 4ª colocação, com 64 pontos. Ao todo, o Nice somou 38 pontos jogando em casa, sendo o quarto melhor mandante da temporada 2012/2013. Dos 57 gols, 35 foram no acanhado estádio. Na mesma época, emendou dez jogos invictos em casa – incluindo seis vitórias seguidas. Foram quase seis meses até ser derrotado em seus domínios.
Ao término da temporada, o Nice sustentou uma média de público de 10.246 pessoas, média aceitável, se levarmos em conta a capacidade do Stade du Ray – considerando a média, o estádio ficava 54,8% ocupado.
Na temporada seguinte, veio a Allianz Riviera e o Nice demorou a se encontrar. O time que surpreendeu e terminou em quarto em 2012/2013, ficou em 17º com 42 pontos, à beira da zona de rebaixamento.
A campanha em casa até ajudou bastante. Na moderna arena, somou 32 pontos e repetiu as dez vitórias como mandante, mas viu o número de derrotas mais que dobrar: de três para sete. O Nice foi uma das equipes que mais perdeu em casa na temporada 2013/2014, empatado com o Guingamp e a frente apenas de Nantes, com oito, e dos rebaixados Valenciennes e Ajaccio, com dez.
Pior ainda foi o ataque, que foi às redes em casa apenas 22 vezes. Os mesmos Valenciennes e Ajaccio, rebaixados, fizeram mais. Esse desempenho ficou retratado com a queda de produtividade do atacante argentino Darío Cvitanich. Artilheiro do time na temporada 2012/2013 com 19 gols, ele sucumbiu junto com a equipe no ano seguinte e marcou apenas oito tentos. Ele ficou, inclusive, quatro meses sem fazer um golzinho sequer.
Fase negra
Mas a primeira temporada do Nice na Allianz Riviera não foi tão ruim assim, se olharmos mais atentamente aos números. Apesar de ter ficado pertinho da zona de rebaixamento, o time conquistou a maior parte dos pontos em casa, teve a oitava melhor campanha entre os mandantes e somou as mesmas dez vitórias em casa da temporada anterior. Além disso, a média de público não foi ruim: 24.186 pessoas, ou seja, 67,8% do estádio ocupado. O Nice teve a sétima melhor média de público da temporada.
O que poucos imaginavam é que, em 2014/2015, tudo isso ruiria. Apesar da campanha razoavelmente melhor – 11º lugar, com 48 pontos –, o time teve média de público de apenas 19.309, apenas 54,2% do estádio ocupado, porcentagem menor do que no último ano no Stade du Ray. Equipes como Rennes e Bordeaux, com estádios menores, tiveram médias maiores na última temporada.
O torcedor não tinha a mínima confiança na equipe treinada por Claude Puel, não à toa, em 12 jogos não havia nem 20 mil torcedores – em três, tinha pouco mais que 15 mil.
O abandono do torcedor foi refletido em campo. O Nice teve o quinto pior desempenho como mandante entre os 20 times do Campeonato Francês. Em 19 jogos, seis vitórias, seis empates e sete derrotas. Em duas oportunidades, emendou seis jogos seguidos sem vencer em casa e o máximo de vitórias que engatou foram duas.
Em meio a tudo isso, uma investigação busca apurar possíveis irregularidades na parceria público-privada, responsável pela construção do estádio. A Allianz Riviera é gerida pelo Grupo Vinci e por empresas locais. O estádio custou 243,5 milhões de euros, incluindo 69 milhões de verba pública. O caso segue em investigação.
O que esperar?
Nesta sexta-feira, dia 7, começa a temporada 2014/2015 e o que podemos esperar do Nice? O time do sudeste francês logo de cara terá um clássico contra o Monaco, na Allianz Rivieira, no sábado, dia 8.
Para a temporada, o Nice perdeu três jogadores importantes: o volante e capitão Didier Digard, que estava desde 2011 no clube e fez mais de 160 partidas na equipe, não renovou contrato e se transferiu para o Bétis, da Espanha. Na última temporada, já havia jogado pouco e não era um jogador fora dos planos do técnico Claude Puel; o winger Eric Bautheac também deixou o clube e foi vendido ao Lille por 2,4 milhões de euros. Na última edição do Campeonato Francês, foram oito gols e seis assistências; a perda mais sentida foi do lateral-esquerdo Jordan Amavi, de 21 anos. Presença frequente nas seleções de base da França, ele foi vendido ao Aston Villa por 11 milhões de euros, terceira maior venda da história do clube.
Nas contratações, o clube foi econômico e apostou nos desconhecidos Jean Michäel Seri, marfinense que veio do Paços Ferreira, por 1 milhão de euros, e em Maxime Le Marchand, contratado junto ao Le Havre por 600 mil euros. Outro jogador contratado foi o atacante Valere Germain, que estava sem espaço no Monaco e chega por empréstimo.
Por fim, o Nice aposta suas fichas em Hatem Ben Arfa (AQUELE!). Aos 28 anos, ele retorna à França para tentar retomar o bom futebol. Após imbróglio judicial, que o impediu de jogar pelo time no começo do ano, ele agora volta após quase um ano sem jogar oficialmente – o último jogo foi em 29 de novembro de 2014, ainda pelo Hull City.
Na pré-temporada, foram seis jogos, com quatro vitórias, um empate e uma derrota. Entre os resultados, alguns interessantes, como o 4×0 sobre o Galatasaray – turcos com Sneijder, Podolski e companhia limitada – e o 3×2 sobre o Napoli. Nos seis testes, destaques para Germain e Plea, artilheiros do time com quatro e três gols, respectivamente.
Vale citar que o Nice está com uma linha de frente interessante. Germain pode não ser o melhor centroavante do mundo, mas é eficiente e conhece o ótimo Valentin Eysseric. Os dois jogaram juntos no Monaco, quando o time estava na segunda divisão, e formaram interessante dupla em 2011/2012. Essa dupla somada a Ben Arfa pode fazer algo diferente – claro, o meia precisa ter a cabeça no lugar.
Além disso, o Nice possui uma base sólida, com poucas perdas nos últimos anos. O elenco está nas mãos de Claude Puel, que ainda tem a disposição uma das melhores academias de jogadores do futebol francês. Um novo 4º lugar e um retorno para as copas europeias é inviável, mas uma campanha digna é o objetivo possível do time para esta temporada.