Allez Granville!

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Encho a boca para falar e não tenho medo de repetir: não existe torneio mais legal que a Copa da França. É o verdadeiro campeonato democrático, que pode colocar gigantes do país de frente com nanicos amadores, com atletas que possuem dois ou até três empregos, em estádios acanhados, com capacidade inferior a cinco mil pessoas.

É a copa que já nos brindou com histórias fantásticas, como a do Guingamp de 2009, do Évian de 2013, do Calais de 2000 e a que mais me fascinou nesse tempo todo: do Quevilly de 2012. Em comum entre esses times apenas a saga heroica, o sonho de disputar uma final no pomposo Stade de France para grande público. Para uns, veio o título, para outros, sobrou o vice. Mas para todos ficou a sensação de ter cativado milhares de amantes do futebol, apaixonados por presenciar histórias ricas de heroísmo e simplicidade no esporte que tanto amamos.

A história da vez é do US Granville, situado em cidade de mesmo nome, na Normandia, de pouco mais de 13 mil habitantes. Amador, o clube completa 100 anos em fevereiro e atualmente disputa a National 2, o equivalente a quarta divisão da França.

Ocupando o Grupo D da competição, os valentes heróis fazem discreta campanha, na 9ª colocação, com 21 pontos. Com o Le Mans (sim, é o mesmo Le Mans que já teve Grafite, Paulo André, Gervinho e Drogba) disparado na frente, com 37 pontos, é quase impossível imaginar que consigam subir para a terceira divisão.

Mas se no ostracismo do quarto escalão francês raramente conseguem algo para chamar a atenção, é na Copa da França que os Brancos e Azuis Reais tentam fazer uma graça.

A primeira grande aparição foi em 2015/16. De forma valente, o Granville, já comandado por Johan Gallon, foi pulando de galho em galho, eliminando, inclusive, o Stade Lavallois, na época, na segunda divisão. Foi pulando tanto que chegou a uma impensável fase de quartas-de-final, onde teria simplesmente o Olympique de Marseille pela frente.

O modesto estádio Louis-Dior foi deixado de lado e o Michel D’Ornano, em Caen, a mais de 100 km de Granville, foi o palco escolhido do jogo. Em oito horas, os 20 mil ingressos foram vendidos e o time, acostumado a jogar para pouco mais de mil torcedores, teria um grande chamariz pela frente.

A aventura, porém, acabou ali. O Marseille, mais forte e concentrado, dominou a partida, passou poucos sustos e venceu por 1 a 0, gol do belga Michy Batshuayi.

Dois anos depois, o Granville está reescrevendo sua história. Após eliminar os também amadores Vierzon (5ª divisão) e o Vitré (4ª), os Brancos e Azuis Reais receberam pela fase de 32avos de final o Bordeaux.

O estádio Louis-Dior, que pode receber 3 mil pessoas, estava abarrotado, e quem lá estava presenciou a virada mais mágica e impressionante da centenária história do Granville. Após sair atrás aos 37 da primeira etapa, o time da casa viu a maré mudar aos 40 do segundo tempo, com a expulsão do lateral Sabaly.

Nos últimos segundos de partida, quando a eliminação parecia certa, a zaga do Bordeaux não conseguiu tirar a bola do campo de defesa. Sorte de Martinet, que acertou um tiro rasteiro de fora da área e igualou o marcador aos 48 minutos da etapa derradeira.

Na prorrogação, coube a um dos mais experientes do time decidir em uma cobrança de pênalti, ainda na primeira parte do tempo extra: Ladislas Douniama, de 31 anos. Na larga carreira, somou passagens por clubes como Lille e Guingamp, e defendeu até mesmo a seleção do Congo. Com a frieza que o momento necessitava, deslocou o goleiro e fez o gol que entrou para a história do clube. Aos gritos “Allez Granville”, o time amador conseguiu o inédito feito de eliminar um adversário de primeira divisão.

Na fase de 16avos de final, o Granville terá pela frente o Concarneau, clube que está na 10ª colocação da terceira divisão, três pontos acima da zona de rebaixamento. O jogo será disputado já nesta terça-feira (23).

E por que não acreditar que a história de Gallon e seus comandados seguirá além? São times como o nosso improvável herói, que desbancou o Bordeaux, que fazem a Copa da França ser o que é, que a fazem ser o torneio que tira os grandes da zona de conforto e abram seus olhos para verem que há futebol além da bolha milionária.

Que sigam fazendo história! Allez Granville!

Time da Martinica tenta a sorte contra clube da Ligue 1 na Copa da França

Foto: Reprodução

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A Copa da França talvez seja a copa nacional que forneça as mais deliciosas histórias para os amantes do futebol alternativo. Quem aqui não se lembra do pequenino e amador Quevilly chegando à decisão para enfrentar o Lyon? Ou então do Calais RUFC perdendo o título de virada para o Nantes no último minuto? Não são poucos os causos onde os Davis derrotam os Golias em terras gaulesas.

A edição da temporada 2014/2015 da competição já começou e três fases já foram disputadas. No primeiro fim de semana de 2015, os times da primeira divisão ingressam no torneio na fase de 32 avos de final e logo de cara teremos o primeiro Davi contra Golias futebolístico. O Club Franciscain, da Martinica, terá pela frente o Nantes, time da primeira divisão francesa e três vezes campeão da Copa da França. Será a primeira vez que os martinicanos enfrentarão um clube da elite francesa.

Mas antes de começarmos a falar do jogo em si, é importante explicar o porquê de um time da Martinica disputar um torneio francês. A Martinica é uma ilha vulcânica no arquipélago das Antilhas, com fronteiras marítimas com a Dominica e Santa Lúcia. Ela pertence à França, seu idioma é o francês e o hino nacional é a Marselhesa. É um – entre tantos – territórios franceses fora da Europa (no caso da Martinica, no Caribe).

A Federação Francesa de Futebol (FFF), responsável pela organização da Copa, concede vagas na competição para times dos departamentos ultramarinos. São duas vagas para a Martinica, assim como para a Ilha de Reunião, Guadalupe e Guiana e uma vaga para Mayotte, Nova Caledônia e Taiti. Todos esses times entraram na sétima fase da competição, a primeira a ser disputada. De todos estes países, apenas a Martinica, com o Club Franciscain, continua com representante no torneio.

Para se tornar o time martinicano na competição, foi preciso vencer um torneio regional disputado apenas por times da Martinica. A estreia na etapa francesa foi na sétima fase: vitória por 2×0 sobre o Sainte-Geneviève, equipe que atualmente está no grupo C da quinta divisão do país. Na fase seguinte, o time da Martinica repetiu o placar para cima do Lormont US, da sexta divisão francesa.

Os resultados parecem discretos, mas esta é a primeira vez em mais de 20 anos que o Club Franciscain atingiu a fase de 32 avos de final. A última vez foi na temporada 1992/1993 e a primeira foi dez temporadas antes. Um feito impressionante para o segundo maior campeão da Martinica – são 16 títulos, três há menos que o Club Colonial de Fort-de-France.

Plantel

O atual elenco é formado por jogadores amadores, mas muitos deles frequentam as convocações da seleção martinicana. Alguns possuem histórias peculiares, como Patrick Percin, de 38 anos. Quando tinha 15 anos, ele fez um teste no AJ Auxerre, mas teve problemas de adaptação e voltou ao país natal. Mais experiente, aos 27 anos, assinou contrato com o Amiens e jogou a segunda divisão francesa. A passagem foi curta, entretanto: apenas um ano de duração.

Na Martinica, contudo, Percin tem uma bela história. Foi campeão nacional com o Club Franciscain em oito oportunidades, e pela seleção martinicana fez um dos gols mais importantes da história do futebol no país. Em 2002, durante a Copa Ouro, ele fez o tento da vitória por 1×0 sobre Trinidad e Tobago, na última rodada da fase de grupos. O triunfo qualificou Martinica para as quartas-de-final do torneio pela primeira vez na história – não passariam dali, sendo eliminados nos pênaltis por Canadá.

O atacante Steeven Octavia, de 27 anos, é outro que tem passagens interessantes na carreira, mas em outros solos. Em 2008, ele foi convocado por Éric Cantona para disputar a Copa do Mundo de Futebol de Praia que seria realizada justamente na França.

Foto: Léia Santacroce - France 3

Foto: Léia Santacroce/France 3 – O Club Franciscain, de Octavia (foto) já está na França

Mas Octavia, Percin e demais jogadores seriam capazes de bater o FC Nantes, adversário da fase de 32 avos de final? Os Canários terminaram 2014 em boa fase, ocupando a sétima colocação do Campeonato Francês com 30 pontos, tendo a terceira defesa menos vazada, com somente 17 gols sofridos. Além disso, o Nantes venceu os últimos três jogos oficiais que fez no último ano – dois pela Ligue 1 e um pela Copa da Liga.

O que pode favorecer o Club Franciscain é o ataque pouco efetivo do time da primeira divisão. Os Canários fizeram 19 gols em 19 partidas no Campeonato Francês, tendo o quarto pior ataque do torneio. O Nantes não fez mais de dois gols em nenhum jogo, além de ter vencido por dois gols de diferença somente uma vez. Entretanto, o time comandado por Michel Der Zakarian fez quatro gols nas duas aparições pela Copa da Liga, tendo goleado o Laval por 4×0 e o Metz por 4×2.

Os martinicanos, entretanto, não se sentem pressionados. Em entrevista à Europe 1, o técnico Jean-Marc Civault acredita que a partida será uma recompensa para todos os atletas do elenco. “Será um prazer jogar em La Beaujoire e enfrentar todos esses jogadores profissionais”, contou.

Caribenhos unidos

Foto: Reprodução

Foto: Reprodução – Roger Sulty (foto) será um dos 180 caribenhos em La Beaujoire

La Beaujoire pode receber 37 mil pessoas, e alguns desses torcedores serão do time martinicano. Conforme o presidente da associação Flamme franciscaine (“Chama franciscana” em tradução livre), Roger Sulty, três ônibus com 60 torcedores cada sairá de Paris na manhã de sábado (3), chegando ao estádio faltando pouco mais de uma hora para o início da partida. Segundo Sulty, seria só um ônibus, mas a procura foi tão grande que teve de conseguir mais dois para a viagem.

A delegação martinicana já está na França desde a última terça-feira (30/12). A medida de chegar cedo visa à adaptação com o clima, já que os atletas estão acostumados com as altas temperaturas do Caribe, e também com as cinco horas de diferença entre o país caribenho e o europeu.

Por que na França?

A Copa da França tem um regulamento bem claro quanto aos mandos de campo das partidas: se você enfrenta um time que está ao menos duas divisões abaixo da sua, a equipe da divisão inferior joga em casa. Ou seja: se um clube da 1ª divisão enfrenta um da 3ª, o time da terceirona joga como mandante. Agora, se esse mesmo time da elite batesse de frente com um adversário da 2ª divisão, o mando iria para sorteio.

Essa história não vale para Nantes x Club Franciscain. Há um ponto no regulamento da competição que prevê que, a partir da fase de 32 avos de final, os clubes do exterior precisam ir à França para jogar. Por que isso aconteceu? Pedido dos clubes grandes, que argumentavam a distância da viagem, calendário apertado e toda aquela velha história.

A Liga da Martinica chegou a fazer um pedido para que a partida entre bretões e martinicanos fosse realizada nos subúrbios de Paris, onde há uma grande comunidade caribenha, mas a FFF negou e, a pedido dos próprios caribenhos, o mando de campo foi revertido.

Mas isso não é motivo para amedrontar os martinicanos. A confiança está exalando e o Club Franciscain está pronto para continuar escrevendo sua história de superação em campos franceses.

Nantes e Club Franciscain se enfrentam neste sábado (3) às 12h15, horário de Brasília.

Pequenino Croix, da 5ª divisão, disputa derby inédito contra gigante do norte

Foto: Reprodução - Separados por 8 km, Croix e Lille se enfrentarão na Copa da França

Foto: Reprodução – Separados por 8 km, Croix e Lille se enfrentarão na Copa da França

Que a Copa da França proporciona histórias fantásticas e que demonstram que o futebol europeu tem, sim, suas raízes humildes, todos sabemos. Percursos de clubes como Quevilly e Epinal em temporadas recentes não me deixam enganar. Na próxima terça-feira, no norte do país, teremos outras dessas histórias.

O Iris Club de Croix, equipe localizada na pequena comunidade, de apenas 20 mil habitantes, chamada de Croix, no município de Lille, chegou a impensável fase de 16avos de final da Copa da França. Neste estágio da competição, o adversário será justamente o Lille OSC, maior clube da região e campeão francês em 2011.

Apenas 8 km separam os dois clubes e o confronto regional será deveras marcante para o nanico Croix. Líder do grupo B da CFA 2 (equivalente a 5ª divisão) e invicto na temporada, eles terão uma oportunidade única de enfrentar um dos principais times do país e que semanas atrás segurou o Paris Saint-Germain na capital.

Mais do que isso, o Croix observa esse jogo como uma fonte de renda. O pequeno Stade Henri-Seigneur, de gramado sintético e com capacidade para apenas duas mil pessoas, será resguardado e o clube ressuscitará um local de marcantes lembranças para os torcedores do adversário em questão, o Lille: a partida da próxima terça-feira será jogada no Stade Lille Metrópole, antiga casa dos Dogues.

Foi neste estádio que o Lille ganhou o Campeonato Francês em 2011, fez boa parte de suas campanhas em copas e recebeu adversários importantes em torneios UEFA, como foi o Liverpool na Liga Europa de 2010 e a Inter de Milão na Liga dos Campeões em 2011.

Como hoje o LOSC usa o moderno Stade Pierre-Mauroy, o antigo estádio, que fora inaugurado em 1976, ficou relegado a competições de atletismo, jogos dos times de base do Lille, além de partidas de rúgbi do Lille Metrópole Rugby.

Foto: Stadium LM - Para este jogo, o Stadium Lille Metrópole será utilizado

Foto: Stadium LM – Para este jogo, o Stadium Lille Metrópole será utilizado

Durante algumas semanas, até sugeriram a realização da partida no Stade Pierre-Mauroy, mas o Croix preferiu exercer seu mando em outro estádio. Sempre é bom lembrar que os mandos de campo na Copa da França funcionam da seguinte maneira: se o confronto envolve times que tem duas divisões de diferença, o time da divisão inferior tem o mando. Algo diferente disso passa para sorteio.

Equilíbrio no orçamento

Patrice Weynants, presidente do Croix, acredita que possa equilibrar o orçamento do clube com essa partida no Lille Metrópole. “Se conseguirmos 60 ou 70 mil euros para equilibrar o orçamento e acertar as contas do fim do mês, nos será bem vindo”, declarou em entrevista ao canal France 3. A única preocupação do presidente está em cima do gramado, já que o estádio tem sido palco de jogos de rúgbi.

Segundo o Google Maps, a distância entre os dois estádios é de pouco mais de 7 km, por isso, não deverá afetar tanto para o torcedor do Croix.

É uma oportunidade única para o clube do norte. Fundado em 1952, o Croix nunca avançou da quinta divisão e não tem grandes feitos em sua história. O grande título foi a divisão regional Nord-Pas-de-Calais Honneur, da 6ª divisão, em 2011 e que lhe colocou na 5ª divisão.

O momento em que mais apareceu na mídia francesa foi quando o seu atleta Geoffrey Cabaye, irmão de Yohan Cabaye (jogador do Newcastle e da Seleção Francesa) foi convocado pra seleção vietnamita.

Apesar disso, o Croix é um clube que podemos chamar de “arrumado”. Possui time reserva disputando divisões inferiores, equipe de veteranos jogando copas distritais e ainda conta com categorias de base com times do sub-9 ao sub-19.

Mas eles sonham alto nesta temporada. Além de liderarem a chave em que estão na 5ª divisão, o Croix é o único time invicto do grupo, com dez vitórias e dois empates. Em outras palavras: o Croix não perdeu na temporada, já que os duelos da Copa da França são em jogos únicos. Aliás, na Copa, eliminaram o Neiges Le Havre, o Lilas e o Saint-Armand, todos os clubes de divisões abaixo da 5ª. O Lille será o primeiro time “de cima” a cruzar o caminho do Croix.

É difícil imaginar que possa ir longe na Copa da França, mas não custa sonhar. Estamos falando da Copa da França, a copa dos feitos impossíveis. A copa em que um time do naipe do Quevilly conseguiu disputar uma decisão frente o poderoso Lyon. Por que não, Croix?

>> Leia também: relato de outro derby do norte, esse entre Croix e Wasquehal (em inglês);