Bomba prestes a explodir

A crise sem precedentes que afeta o Lille ganhou como capítulo chave a invasão de campo, somada a agressões a jogadores no último sábado (10), no empate por 1 a 1 com o Montpellier. Os Dogues, que começaram a temporada francesa sonhando alto, ocupam a penúltima colocação, com 28 pontos, e hoje seriam rebaixados para a segunda divisão. Um choque e tanto para os torcedores que subiram no topo do país há menos de dez anos.

A invasão de campo, além de um ato lamentável e que pode custar caro ao clube, é o ato maior de uma torcida que começou o ano pensando em bater de frente com o PSG e hoje batalha para ultrapassar o Troyes nas últimas colocações.

Óbvio que muito da responsabilidade pelo trágico momento recai sobre Gerard López, o milionário proprietário que completou um ano no clube em janeiro deste ano e só viu problemas desde então – passando pelos resultados em campo, as escolhas dentro das quatro linhas e até mesmo aos problemas financeiros.

Mas vale questionarmos: qual o papel de Marcelo Bielsa dentro disso tudo? O argentino, que veio para a segunda passagem em solo francês com a promessa de ser a grande cabeça pensante do novo projeto do clube, promoveu uma verdadeira revolução nos Dogues, que atenderam a maioria de seus caprichos, desde estrutura, diretores e, principalmente no elenco.

Nomes como Rio Mavuba, Marko Basa e Vincent Enyeama, há anos no clube e absolutamente identificados com a torcida, foram deixados de lado e, em seus lugares, uma lista incontável de jovens promessas que abaixaram a média de idade do time para 22,3 anos.

O rejuvenescimento do elenco, que parecia ser positivo, tendo em vista que alguns dos veteranos estavam em reta final de carreira e muitos dos garotos contratados são, sim, muito bons, se tornou um total desastre. Os jovens, sem referências dentro e fora de campo, não conseguiram render e Bielsa não foi capaz de aplicar seus métodos como pensava.

Foi embora em litígio com o clube, tem disputas judiciais até hoje e deixou um prejuízo imensurável. Quem traz El Loco sabe que há o “pacote Bielsa”. Erro de Lopez em aceitar isso ou do argentino em promover essas mudanças e largar o barco à deriva?

Bielsa foi um dos fieis da balança para a crise do Lille | Foto: Getty/The Independent

Michel Seydoux, histórico ex-presidente do Lille, não pestanejou ao dizer que é Bielsa o culpado por tudo. Citou as trocas no elenco e ainda disse admirar o técnico Christophe Galtier, que tem feito o possível para evitar o rebaixamento do clube. “Bielsa destruiu o clube, de certa maneira”, afirmou à RTL.

Em meio a isso, tem o impasse do clube com a Direção Nacional de Controle de Gestão (DNCG), que aperta a diretoria quanto as garantias financeiras para disputar a Ligue 1. Começou com a proibição de contratar na janela de inverno (que era uma esperança de recuperação para a temporada) e complementou com uma espécie de “rebaixamento preventivo”, caso não apresente as garantias financeiras necessárias.

Independente de quem seja o culpado, o Lille precisa reagir urgentemente. Além da penúltima colocação, os Dogues possuem a terceira pior campanha em casa, a quarta defesa mais vazada e venceram apenas dois de dez jogos em 2018.

Até o fim da temporada, Galtier e seus comandados terão encrencas pela frente das mais variadas partes da tabela. Terá Monaco e Marseille longe de casa, além dos confrontos diretos contra Amiens, Toulouse e Metz.

E ainda precisamos esperar para ver os reflexos da selvageria do último sábado. Casos recentes apontam para punições severas, em que pese o fato de o clube ter aberto investigações para encontrar os culpados. Analisando episódios antigos, a imprensa local cogita desde a interdição do estádio a até jogos com portões fechados ou com campo neutro.

Enquanto isso, a nove rodadas do fim, o Lille vai escutando o “tique-taque” da bomba acelerar cada vez mais.

Le Podcast du Foot #71 | 2º turno vem aí!

Após algumas semanas de pausa, o Campeonato Francês retorna com carga total a partir da próxima sexta-feira (12), com a abertura do 2º turno.

A expectativa fica para os mortais, podemos dizer assim. O poderosíssimo Paris Saint-Germain, de Neymar, Kyllian Mbappé e Edinson Cavani, é líder, com 50 pontos, e com 16 vitórias em 19 rodadas, dificilmente perderá o título.

Restam as brigas entre Monaco, Lyon e Marseille pelas vagas nas copas europeias, com a zebra Nantes, de Claudio Ranieri, correndo por fora. Além disso, fica a expectativa por Saint-Étienne, Bordeaux e Lille, equipes com nível de investimento alto para os padrões franceses, mas que estão na parte baixa da tabela.

As projeções do 2º turno estiveram em debate no Le Podcast du Foot #71. Eduardo Madeira, Filipe Papini e Renato Gomes participaram do programa, que analisou o campeonato até agora e imaginou as próximas rodadas da competição.

Ouça abaixo o programa completo:

O adeus de um subestimado

Cheyrou fez mais de 300 jogos pelo Marseille | Foto: OM.net

Fim da linha para Benoît Cheyrou. Aos 36 anos, o meio-campista com passagens por Lille, Auxerre e Olympique de Marseille pendurou as chuteiras por cima, como campeão da Major League Soccer, o campeonato norte-americano, com o Toronto FC.

Clássico meio-campista, daqueles que os saudosistas se acostumaram a ver e admirar, podemos dizer que Cheyrou deixa a carreira com fama de subestimado. Inteligente, dotado de ótima técnica e potente finalização e, acima de tudo, vitorioso, dificilmente ele estará nas grandes lembranças futebolísticas, principalmente por não ter se estabelecido em nível internacional.

Parte disso se deve as poucas lembranças na seleção francesa. Apesar da consistente carreira em clubes, nos Bleus foi poucas vezes lembrado. Cheyrou defendeu o time nas categorias sub-18 (conquistou a Eurocopa em 2000, no mesmo time de Philippe Mexès e Djibril Cissé) e sub-20, mas despediu-se das quatro linhas sem uma partida sequer pela equipe principal.

Explicações são difíceis de encontrar. A partir de 2007, ano em que chegou ao Marseille, Cheyrou atingiu grande nível técnico, se notabilizando como um meio-campista defensivo capaz de quebrar linhas através de passes longos e aproximação na grande área para criar jogadas. Entre 2008 e 2010, esteve no time do ano na UNFP (em tradução, a União dos Jogadores Nacionais de Futebol) e se tornou um dos grandes jogadores do país. Isso foi insuficiente para convencer os técnicos dos Bleus a convoca-los.

O contestadíssimo Raymond Domenech foi o único a convoca-lo em 2010, mas sem colocá-lo em campo, preferindo em seu período como treinador nomes como, por exemplo, Alou Diarra, Lass Diarra, no já envelhecido Claude Makélélé e Mathieu Flamini. Passaram ainda pelo comando técnico Laurent Blanc e Didier Deschamps – o atual treinador – e nada de Cheyrou ser lembrado.

Pode ser que ele nunca pudesse ser um fator desequilibrante na França da última década, alguém capaz de trazer um título de peso que não vem desde a Euro 2000, mas fica uma lacuna em sua carreira.

Cheyrou, que atuou profissionalmente desde 1999, conseguiu ter trajetória mais vitoriosa até que a do irmão, Bruno Cheyrou (que, curiosamente, fez três jogos pela seleção francesa) e foi símbolo de um Marseille que saiu de uma seca de quase duas décadas sem títulos (apesar de uma saída conturbada em 2014). Inclusive, em votação popular, ficou num “time reserva” da história do clube quando completou 110 anos e chegou a ser eleito o melhor jogador da temporada do time em 2008/09 – quando perdeu a Ligue 1 para o Bordeaux.

Há quem desgoste da banalização da palavra “craque”, que prefira usar só em casos especiais. Penso que quem preza pelo respeito a profissão de jogador de futebol e consegue apresentar um “algo a mais”, capaz de nos prender por 90 minutos e acompanhar a um recital com a bola nos pés merece ser chamado assim. Por vezes subestimado e esquecido, mas craque e vitorioso. Assim Benoît Cheyrou pendura as chuteiras.

Carreira:

Lille (1999-2004) | 116 jogos e 3 gols

*Campeonato Francês – 2ª divisão | 1999/2000

Auxerre (2004-2007) | 131 jogos e 8 gols

*Copa da França | 2004/2005

Marseille (2007-2014) | 306 jogos e 28 gols

*Campeonato Francês | 2009/2010

*Copa da Liga | 2009/2010 e 2010/2011

*Supercopa da França | 2010 e 2011

Toronto [Canadá] (2015-2017) | 68 jogos e 5 gols

*Campeonato Canadense | 2016 e 2017

*Major League Soccer | 2017