Paris, 12 de julho de 1998
Ele não tinha nenhum gol até aquele dia na Copa do Mundo.
A final daquela noite era a última chance de marcar em casa e, de quebra, cair nos braços do país como herói nacional e campeão mundial.
Os olhos de todos os amantes do futebol estavam todos voltados para o Stade de France, e ele, com a pressão sob os ombros, poderia conquistar a primeira Copa do Mundo do país.
As histórias paralelas de Zinedine Zidane e Stephane Guivarc’h param por aí. Foi Zizou, na época defendendo a Juventus, quem decidiria aquele jogo contra o Brasil com duas cabeçadas inapeláveis contra a meta de Taffarel e atrasaria os planos brasileiros de conquistar o pentacampeonato mundial.
Mas… E se fosse Guivarc’h o personagem dessa história?
Assim como Zidane, o centroavante do Auxerre chegou a decisão sem ter balançado as redes. Assim como Zizou, também era contestado. O juventino por render abaixo do esperado, enquanto o centroavante por não marcar, tendo David Trezeguet e Thierry Henry como sombras.
Quase 20 anos depois, parece absurdo imaginar que Guivarc’h tenha colocado os dois no banco, mas fazia sentido na época. O centroavante de porte físico avantajado, estilo trombador, havia sido o goleador máximo do Campeonato Francês por duas temporadas consecutivas. De quebra, foi o artilheiro da Copa da UEFA com sete gols – um a mais do que Ronaldo, na Internazionale, e personagem principal do lado oposto naquela final.
A sombra, porém, ficou maior na goleada por 4 a 0 sobre a Arábia Saudita, ainda na fase de grupos. Henry fez dois e Trezeguet anotou um. Dali em diante os discretos números da dupla em território doméstico pouco importavam na comparação com o goleador da França, que tinha apenas um tento com a camisa dos Bleus – o único em toda sua carreira internacional.
Aimé Jacquet, o técnico, ia na contramão. Defendia Guivarc’h e sabia que ele poderia lhe dar o mundo.
E quase deu!
Os primeiros 45 minutos no Stade de France foram de pesadelo para os brasileiros, que já vinham atordoados pela convulsão de Ronaldo e a incerteza do que viria naquela noite. Guivarc’h, aproveitando-se disso, deu muito trabalho para Junior Baiano e Aldair, que não conseguiam conter os constantes deslocamentos da direita para o centro do atacante.
Só que em uma das coincidências que talvez só o mundo do futebol seja capaz de criar, Guivarc’h talvez nunca tenha tido tantas chances para marcar um gol como naquela final.
O primeiro ataque foi dele. A bicicleta, após ganhar dividida contra Baiano, foi pelo lado de fora. Minutos depois, no primeiro lapso de genialidade de Zidane, ele recebeu na frente de Taffarel, errou o domínio, se desequilibrou e finalizou para fora.
A grande chance, porém, foi quando o placar estava 1 a 0. Lilian Thuram (aliás, todos lembram de Zidane, mas Thuram fez uma final primorosa) lançou do campo de defesa. A zaga brasileira vacilou. Baiano e Aldair erraram feio o tempo de bola e Guivarc’h se viu diante da maior chance de gol da carreira.
Era ele, a bola, Taffarel e uma França inteira pronta para lhe abraçar.
Acostumado a penalizar os goleiros adversários com chutes de direita, viu a bola se oferecendo para o outro pé. O chute de canhota não foi o ideal. Não muito forte, não muito fraco. Talvez vencesse um goleiro desatento, mas não Taffarel. Calejado pelo título de 1994 e de uma tensa semifinal contra a Holanda, onde foi protagonista, ele estava ligado e fez a defesa.
Poético ou não, aquela finalização, com o pé ruim dele, foi o ponto de flexão da carreira de Guivarc’h. Se aquela bola entra, com certeza, hoje estaríamos falando de um reconhecido herói francês, de um atacante predestinado, que apareceu na hora que precisava para decidir.
O lance foi tão marcante que poucos recordam que na etapa final ele teve uma chance tão clara quanto – ou até mais. Na ocasião, um recuo errado de Cafu o deixou de frente com Taffarel, desta vez, no pé bom. Guivarc’h engrossou, chutou de canela e não deu trabalho ao goleiro brasileiro. Esse gol perdido raramente é lembrado.

Mais títulos mundiais do que gols em Copas para Guivarc’h | Foto: Reprodução
O chute longe do ideal na primeira etapa serviu para colocá-lo no limbo dos campeões do mundo. Do gol que o colocaria no radar dos grandes clubes europeus para o vazio das críticas e da tabela de tentos marcados por ele no Mundial. Há quem diga que a França foi campeã sem atacante.
Maldade.
Guivarc’h esteve longe de ser o melhor jogador francês naquela Copa, mas tinha papel importante no time de Jacquet. Era ele quem dava profundidade ao time, prendia os zagueiros e se entendia com Youri Djorkaeff, abrindo espaços para as infiltrações de Zidane.
Nos livros de história, porém, o que ficará marcado é que ele não marcou nenhum gol, que foi personagem discreto daquele time. Os mesmos livros de história, entretanto, mostrarão que o único francês a conquistar a Copa do Mundo com a camisa 9 foi Stephane Guivarc’h.
Muitos tentaram e naufragaram. Só ele teve esta honraria.