Le Podcast du Foot #94 | Os caras do ano na França

2018 foi, definitivamente, um ano especial para o futebol francês. Foi esta a temporada em que a França voltou a erguer uma Copa do Mundo, a segunda de sua história. Foi também o período em que voltamos a ver uma equipe do país a chegar a uma decisão europeia. O Marseille, porém, ficou sem a taça, mas valeu a campanha histórica na Liga Europa. No futebol feminino, vimos o Lyon emplacar a melhor jogadora e o melhor treinador do planeta. Enfim, rolou muita coisa que colocaram os franceses em evidência.

Para homenagear as pessoas que fizeram o ano de 2018 ser mais do que marcante, a turma de Le Podcast du Foot se reuniu e escolheu os nomes de destaque da temporada, entre atletas e treinadores franceses ou que atuam na França. Eduardo Madeira comandou a edição #94 ao lado de Filipe Papini e Renato Gomes.

Ouça abaixo o programa:

E se o herói fosse Guivarc’h?

Paris, 12 de julho de 1998

Ele não tinha nenhum gol até aquele dia na Copa do Mundo.

A final daquela noite era a última chance de marcar em casa e, de quebra, cair nos braços do país como herói nacional e campeão mundial.

Os olhos de todos os amantes do futebol estavam todos voltados para o Stade de France, e ele, com a pressão sob os ombros, poderia conquistar a primeira Copa do Mundo do país.

As histórias paralelas de Zinedine Zidane e Stephane Guivarc’h param por aí. Foi Zizou, na época defendendo a Juventus, quem decidiria aquele jogo contra o Brasil com duas cabeçadas inapeláveis contra a meta de Taffarel e atrasaria os planos brasileiros de conquistar o pentacampeonato mundial.

Mas… E se fosse Guivarc’h o personagem dessa história?

Assim como Zidane, o centroavante do Auxerre chegou a decisão sem ter balançado as redes. Assim como Zizou, também era contestado. O juventino por render abaixo do esperado, enquanto o centroavante por não marcar, tendo David Trezeguet e Thierry Henry como sombras.

Quase 20 anos depois, parece absurdo imaginar que Guivarc’h tenha colocado os dois no banco, mas fazia sentido na época. O centroavante de porte físico avantajado, estilo trombador, havia sido o goleador máximo do Campeonato Francês por duas temporadas consecutivas. De quebra, foi o artilheiro da Copa da UEFA com sete gols – um a mais do que Ronaldo, na Internazionale, e personagem principal do lado oposto naquela final.

A sombra, porém, ficou maior na goleada por 4 a 0 sobre a Arábia Saudita, ainda na fase de grupos. Henry fez dois e Trezeguet anotou um. Dali em diante os discretos números da dupla em território doméstico pouco importavam na comparação com o goleador da França, que tinha apenas um tento com a camisa dos Bleus – o único em toda sua carreira internacional.

Aimé Jacquet, o técnico, ia na contramão. Defendia Guivarc’h e sabia que ele poderia lhe dar o mundo.

E quase deu!

Os primeiros 45 minutos no Stade de France foram de pesadelo para os brasileiros, que já vinham atordoados pela convulsão de Ronaldo e a incerteza do que viria naquela noite. Guivarc’h, aproveitando-se disso, deu muito trabalho para Junior Baiano e Aldair, que não conseguiam conter os constantes deslocamentos da direita para o centro do atacante.

Só que em uma das coincidências que talvez só o mundo do futebol seja capaz de criar, Guivarc’h talvez nunca tenha tido tantas chances para marcar um gol como naquela final.

O primeiro ataque foi dele. A bicicleta, após ganhar dividida contra Baiano, foi pelo lado de fora. Minutos depois, no primeiro lapso de genialidade de Zidane, ele recebeu na frente de Taffarel, errou o domínio, se desequilibrou e finalizou para fora.

A grande chance, porém, foi quando o placar estava 1 a 0. Lilian Thuram (aliás, todos lembram de Zidane, mas Thuram fez uma final primorosa) lançou do campo de defesa. A zaga brasileira vacilou. Baiano e Aldair erraram feio o tempo de bola e Guivarc’h se viu diante da maior chance de gol da carreira.

Era ele, a bola, Taffarel e uma França inteira pronta para lhe abraçar.

Acostumado a penalizar os goleiros adversários com chutes de direita, viu a bola se oferecendo para o outro pé. O chute de canhota não foi o ideal. Não muito forte, não muito fraco. Talvez vencesse um goleiro desatento, mas não Taffarel. Calejado pelo título de 1994 e de uma tensa semifinal contra a Holanda, onde foi protagonista, ele estava ligado e fez a defesa.

Poético ou não, aquela finalização, com o pé ruim dele, foi o ponto de flexão da carreira de Guivarc’h. Se aquela bola entra, com certeza, hoje estaríamos falando de um reconhecido herói francês, de um atacante predestinado, que apareceu na hora que precisava para decidir.

O lance foi tão marcante que poucos recordam que na etapa final ele teve uma chance tão clara quanto – ou até mais. Na ocasião, um recuo errado de Cafu o deixou de frente com Taffarel, desta vez, no pé bom. Guivarc’h engrossou, chutou de canela e não deu trabalho ao goleiro brasileiro. Esse gol perdido raramente é lembrado.

Mais títulos mundiais do que gols em Copas para Guivarc’h | Foto: Reprodução

O chute longe do ideal na primeira etapa serviu para colocá-lo no limbo dos campeões do mundo. Do gol que o colocaria no radar dos grandes clubes europeus para o vazio das críticas e da tabela de tentos marcados por ele no Mundial. Há quem diga que a França foi campeã sem atacante.

Maldade.

Guivarc’h esteve longe de ser o melhor jogador francês naquela Copa, mas tinha papel importante no time de Jacquet. Era ele quem dava profundidade ao time, prendia os zagueiros e se entendia com Youri Djorkaeff, abrindo espaços para as infiltrações de Zidane.

Nos livros de história, porém, o que ficará marcado é que ele não marcou nenhum gol, que foi personagem discreto daquele time. Os mesmos livros de história, entretanto, mostrarão que o único francês a conquistar a Copa do Mundo com a camisa 9 foi Stephane Guivarc’h.

Muitos tentaram e naufragaram. Só ele teve esta honraria.

Quem será o Zizou da vez?

Zizou cresceu na hora certa

Dia 13 de junho de 2004. A Europa estava atenta para a estréia de duas seleções consideradas favoritas a vencer a UEFA Euro daquele ano: a França de Zinedine Zidane contra a Inglaterra de David Beckham. O Estádio da Luz em Lisboa ficaria pequeno para tantos craques e tantas emoções.

Era apenas o segundo dia de jogos e os anteriores apresentaram poucas emoções. Portugal, mandante, tropeçou diante da Grécia – tropeço que se repetiria no jogo final do torneio -, enquanto a Espanha vencera a Rússia pelo placar mínimo. Pelo mesmo grupo de franceses e ingleses, Suíça e Croácia empataram sem gols e a vitória em Lisboa destinaria a ponta do grupo logo na primeira rodada.

Assim como nas guerras, Inglaterra e França tinham um enorme histórico de jogos. No início, os ingleses dominavam completamente o confronto. Entre 1923 e 1931, foram seis jogos e seis vitórias inglesas, todas elas marcando pelo menos três gols. No sétimo jogo, em 1931, Les Bleus descontaram e venceram por 5×2, mas voltaram a ficar em uma série inativa de vitórias. Seu triunfo seguinte seria em 1946, vitória por 2×1.

Os primeiros duelos oficiais entre franceses e ingleses foram apenas nos anos 60. Em 1962 e 1963, a dupla se enfrentou na fase de qualificação para a Eurocopa. Na ida, em Sheffield, 1×1, na volta, em Paris, vitória francesa por 5×2. Em 1966 aconteceu o primeiro jogo em uma Copa do Mundo. As quase 100 mil pessoas que foram ao Estádio Wembley viram o English Team bater a França por 2×0, com dois gols de Roger Hunt.

O último duelo de Copa do Mundo entre as duas seleções foi em 1982. A seleção francesa, que encantara o planeta bola naquele ano, foi totalmente envolvida pela Inglaterra e deixou o San Mamés em Bilbao derrotada por 3×1. Não custa reforçar que o selecionado inglês, de Peter Shilton, derrotou, simplesmente, a França de Platini, Rocheteau, Giresse e Trésor.

Em 1992, aconteceu o primeiro duelo em uma Eurocopa. Porém, nada de gols. E olha que opções para as redes balançarem não faltaram. O English Team tinha Gary Lineker e Alan Shearer no ataque, enquanto os Bleus tinham Eric Cantona e Jean-Pierre Papin.

O confronto válido pelo Torneio da França de 1997 ficou marcado como a última vitória inglesa sobre a França. Depois daquele triunfo no Stade de La Mosson, 1×0 gol de Shearer, foram mais cinco jogos, com quatro vitórias francesas e um empate.

Mas voltando ao confronto de 2004, a Inglaterra parecia que finalmente tiraria a barriga da miséria. Vencia por 1×0, gol de Frank Lampard. O ídolo inglês, Beckham, teve participação decisiva no tento, pois foi ele quem cobrou a falta com precisão, na cabeça do meia do Chelsea.

Na etapa final, o English Team teve o jogo em mãos. Aos 28 minutos, o jovenzinho Wayne Rooney, na época com apenas 19 anos, recebeu em velocidade e só foi parado por Silvestre, que cometeu pênalti. David Beckham teve em seus pés a chance de dar a vitória para a Inglaterra, mas sua cobrança parou nas mãos de Barthez. O goleiro se redimiu de 1997, quando errou no gol de Shearer, no supracitado duelo do Torneio da França.

Falhar não era uma opção aceitável quando se tinha do outro lado Zinedine Zidane. Zizou, em dois toques de mestre, decidiu a peleja. Primeiro, aos 45 minutos, em cobrança de falta magistral, jogando ao lado direito do goleiro David James, que, parado, nada pôde fazer. No lance seguinte, Steven Gerrard recuou para seu arqueiro, mas não viu a presença de Henry, que venceu a disputa em velocidade, mas foi derrubado na grande área. Zidane cobrou o pênalti no mesmo lugar onde havia colocado a bola na cobrança de falta e virou a peleja para a França.

De falta, Zidane decidiu em 2004

As falhas nos acréscimos do árbitro, somado ao pênalti desperdiçado por Beckham, culminaram na derrota inglesa.

Em toda a história, franceses e ingleses se enfrentaram trinta vezes e o English Team leva ampla vantagem: 16 a 9 em vitórias, além de cinco empates. Porém, a França equilibrou esses números com o pequeno tabu supracitado, que dura desde 1997.

E na segunda-feira? Quem será o Zizou? A camisa 10 francesa é de Karim Benzema. Ele será capaz de decidir em dois lances como Zidane em 2004? Aguardemos!

FICHA TÉCNICA:

Estádio da Luz – Lisboa

França: Barthez; Thuram, Gallas, Silvestre (Sagnol) e Lizarazu; Pirès (Wiltord), Vieira, Makélélé (Dacourt) e Zidane; Henry e Trezeguet — Técnico: Jacques Santini

Inglaterra: James: Neville, King, Campbell e Cole; Beckham, Lampard, Gerrard e Scholes (Hargreaves); Rooney (Heskey) e Owen (Vassell) — Técnico: Sven-Göran Eriksson

Arbitragem: Markus Merk, Christian Schräer e Jan-Hendrik Salver (Alemanha)

Gols: Zidane, 90+1′ e 90+3′ (FRA); Lampard, 38′
Cartões amarelos: Silvestre e Pirès (FRA); James, Lampard e Scholes (ING)